Quando soube que o Metallica viria ao Brasil, após mais de 10 anos, para shows em São Paulo e Porto Alegre (RS), olhei para meu saldo bancário e me desesperei. Na época, mal tinha dinheiro para pagar as contas e vivia um aperto financeiro complicado por conta de algumas tomadas de decisões errôneas. Não tinha cartão de crédito, nem crédito no banco e muito menos de quem emprestar grana para ir. Os ingressos custavam entre 150,00 e 500,00 reais. Fiz as contas, se eu arranjasse um cartão de crédito dava pra comprar o ingresso e as passagens, e juntando mais uns 500,00 contos dava para ir e voltar tranquilamente. 

Na minha conta imaginária estava tudo certo. O problema era que eu tinha acabado de voltar de São Paulo, tinha ido no Festival Maquinaria no início de novembro ver Faith No More, e pra poder viajar emprestei dinheiro. Lembram quando disse que estava numa encruzilhada financeira? Eu tinha menos de dois meses para me organizar, resolver a questão das finanças e realizar um dos maiores sonhos da minha vida. Um sonho de adolescência que cresceu e começou a amadurecer depois que me mudei do interior para a capital. Eu não podia deixar essa oportunidade escapar.

Um amigo meu que era fã da banda, o mesmo que viajou comigo para ver Faith No More, se manifestou para ir também. Como ele tinha cartão de crédito, compramos os ingressos e as passagens. Felicidade parcelada no cartão. O que antes era um desejo num mar de incertezas estava se materializando. Com ingresso e passagens na mão só faltava a grana para levar. O que não foi difícil conseguir com um pouco de organização e muitos frilas madrugada adentro.

Pessoas próximas disseram que era uma loucura viajar para ver uma banda. Na situação que me encontrava não estava sendo inconsequente ao ponto de prejudicar outras pessoas, nem a mim mesmo, apenas queria realizar um sonho pessoal. Esse foi só começo de muitas loucuras conscientes que carregam tantas histórias na minha vida. E como histórias são vividas por personagens, mais três amigos embarcaram nessa aventura. Mauro, aquele que me ajudou a comprar os ingressos e passagens. Roberto, amigo da adolescência que compartilhava do mesmo sonho que eu, e Moacir, amigo do trabalho. Vamos acompanhar a digressão desses quatro cavaleiros vagando em outra cidade atrás de seu sonho.

“Rover, wanderer, nomad, vagabond, call me what you will…”

A viagem estava marcada para a madrugada de sexta-feira, o show era sábado, dia 30 de janeiro de 2010, e a gente iria retornar na noite de segunda-feira. Teríamos tempo de sobra para vaguear pela cidade e aproveitar o que o dinheiro escasso pudesse aguentar. Nosso voo era o mesmo, combinamos de nos encontrar mais cedo no aeroporto para beber e jogar conversa fora enquanto não chegava a hora de partir. Uma sensação de arrebatamento tomava conta da cabeça aos pés, estava me sentindo como uma criança quando vai ao parquinho pela primeira vez. E olha que não era minha primeira viagem para ver uma banda, era a segunda (risos). Quem costuma viajar para shows, sabe que a pré-viagem é tão divertida quanto o dia do evento. Garantir ingressos, comprar passagens, juntar grana, planejar os dias fora, reservar hospedagem (quando não se tem casa de amigo ou parente), organizar roteiros e etc. 

Chegamos por volta das seis da manhã no aeroporto de Guarulhos. Como cada um levou apenas uma mochila, foi mais rápido sair de toda aquela zona pós desembarque. Quando estávamos indo pegar o ônibus que ia para o Terminal Tietê encontramos um cara que visivelmente tinha acabado de sair de algum evento. Ele estava de botas, calças jeans surradas e camiseta do Metallica. Ele me viu com a camiseta da banda e perguntou se a gente ia para o show. Quando respondemos que sim, ele disse que iria também e tinha acabado de ver a banda em Porto Alegre, na quinta-feira, dia 28. Arregalamos os olhos e perguntamos como tinha sido. Ele hesitou por um instante, acredito que procurando palavras para descrever, e disse: “sem palavras”

Depois de toda a peregrinação entre ônibus e metrô, conseguimos chegar ao nosso destino, uma pousada barata localizada no centro da cidade, mais ou menos perto da Santa Ifigênia. Próximo das nossas andanças, porém longe do local do show, estádio do Morumbi, que ninguém fazia a menor ideia de como chegar. A pousada tinha dois quartos com duas camas de solteiros cada, uma sala minúscula e um banheiro, o suficiente para acomodar quatro pessoas que apenas iriam dormir, tomar banho e trocar de roupa. Deixamos nossas coisas, escovamos os dentes, lavamos o rosto amarrotado da viagem e partimos para a Galeria do Rock. Quem já andou por lá em época de shows sabe como o clima fica efusivo e perfeitamente propício para a ocasião. Comprar camisetas, discos, tomar cerveja, encontrar pessoas e bater papo torna-se parte essencial do rolê. Compramos camisetas não oficiais da turnê, que guardo até hoje, tomamos cerveja e ficamos andando de andar em andar por várias horas. 

Seguimos para a famosa e intensa Rua 25 de Março, conhecida como o maior centro comercial da América Latina, um verdadeiro oásis para quem tem dinheiro para gastar. Como eu tinha pouca grana, fiquei mais comedido e não comprei quase nada. Estava chuviscando, compramos guarda-chuva e capa de chuva para tentar estender as andanças por mais tempo, mas o chuvisco não deu trégua e nos venceu. Almoçamos num daqueles restaurantes que paga um valor definido e come à vontade, tudo pra gente, e depois fomos descansar para mais tarde encontrar alguns amigos na interessante, boemia e agitada Rua Augusta. Os amigos que fomos encontrar, eu e Mauro conhecemos em novembro de 2019, no Maquinaria Festival. Esse encontro foi interessante. Estávamos indo de ônibus para o local do festival, na Chácara do Jockey, e não tínhamos a menor noção de onde iríamos parar. Um casal ouviu nossa conversa e disse que também estava indo para o festival, especialmente para o show do Faith No More. Colamos nos dois, eles apresentaram seus amigos e curtimos todos juntos. 

Por volta das 18h seguimos para a Rua Augusta. As noites por lá são bem agitadas, principalmente no “sextou” que antecede o fim de semana. O local do encontro foi numa pizzaria, como geralmente faz o paulistano para comprovar que sua cidade sabe fazer a melhor pizza do país. Comemos, bebemos e conversamos muito. Conhecemos também outras pessoas do círculo de amizade deles. Ainda bem que meus amigos eram bem comunicativos, abertos e falavam bastante, diferente de mim que, dependendo do lugar e das pessoas, fico desconfortável e mais quieto. Não sei se era euforia pré-show ou por estar em outra cidade, mas nesse dia eu estava mais sociável, talvez por já conhecer algumas pessoas presentes. 

Todos devidamente alimentados, fomos fechar a noite num pub mais pra baixo da Augusta. Foi a primeira vez que tomei chope de Heineken. Um lugar bem movimentado, com dois pavimentos. A parte de baixo era a mais agitada e barulhenta, preferimos ficar na parte de cima, mais sossegada e com sinuca à disposição. Muita conversa fiada, cerveja e sinuca. Quando passou da meia noite o cansaço tomou conta de uma forma brutal. Estávamos praticamente 24 horas no ar, como nosso grande compromisso seria no dia seguinte, a gente precisava de uma boa noite de sono para poder aguentar o tranco. Fim de festa, aperto de mãos e até a próxima. A pousada ficava mais ou menos perto dali, fomos andando, conversando, passando frio e desejando nossa cama quentinha que aguardava nossos corpos fatigados.

“Waiting for the one, The day that never comes…”

Chegou o grande dia! Acordamos no susto, de ressaca e quase perdemos a hora do café. Ao contrário do dia anterior, o sábado amanheceu com um sol radiante, a temperatura propícia para ficar horas na fila para entrar, horas esperando o horário do show e o desenrolar do espetáculo. Aproveitamos para dar mais uma andada pela cidade, comprar mais trecos e curtir aquela manhã ensolarada enquanto a ansiedade manifestava-se aos poucos.

Não demoramos e voltamos para a pousada para começar o ritual de preparação. Separar a roupa que já estava escolhida, tomar banho, vestir-se, colocar os acessórios, calçar as botas, checar ingresso, celular, documentos, grana e partir. Combinamos para ninguém levar carteira, apenas documento com foto, dinheiro e cartão. Ainda tínhamos que almoçar, mas esse era o menor dos problemas. O problema maior era descobrir como chegar até o estádio do Morumbi. Eu já estava pilhado, com a adrenalina subindo níveis altos e chateado com o Mauro que atrasou bastante. Na saída da pousada, pedimos para o recepcionista tirar uma foto para registrar o momento dos quatro cavaleiros atrás de seu sonho. Todos de preto, lógico. Eu e Roberto com a estampa do disco Death Magnetic, Moacir com estampa da turnê e Mauro sem estampa, segundo ele para homenagear o ex-baixista da banda, Jason Newsted

Fomos almoçar novamente num daqueles restaurantes que paga um valor tal e come à vontade. Fui cauteloso com alimentação, nessas situações sempre procuro comer coisas saudáveis que dão mais energia e evito gordura. Comemos, bebemos, conversamos e tentamos descobrir um jeito de chegar ao bendito estádio. Já passava das 13h, eu estava preocupado imaginando a fila imensa e o caos para entrar caso a gente atrasasse tanto. Ninguém sabia como chegar no estádio. Ninguém explicava direito e a gente não tinha grana disponível pra pegar táxi. Só nos restava ônibus, metrô e alguma sorte.

Quando saímos do restaurante vimos um ônibus de turismo estacionado próximo a um hotel e uma galera do lado de fora com camisas do Metallica dando claros sinais de que iriam para o show. Ligamos os pontos, hesitamos e depois resolvemos arriscar. Mauro que era mais cara de pau foi lá e perguntou se eles estavam indo para o estádio do Morumbi. Com a afirmativa, ele disse que iríamos também e perguntou se pagava para ir no ônibus. O cara com quem ele falou foi muito solícito e disse que era de graça, no mesmo instante que perguntou do responsável se poderíamos embarcar com eles. Ele disse que sim, só que a gente ia ter que ir em pé, pois não tinha mais assento disponível. A gente se olhou com os olhos brilhando, mais feliz que pinto no lixo, e respondemos que não tinha problema nenhum. Pra quem estava perdido e ainda corria risco de chegar atrasado, ir em pé num ônibus era o menor dos problemas. 

Fomos recebidos muito bem quando entramos. Deixaram a gente super à vontade, mesmo indo em pé. Enquanto seguíamos rumo ao estádio, rolava Metallica nas TVs espalhadas por todo interior do veículo, o que contribuiu para o clima da ocasião e elevou um pouco a ansiedade. Conversando com o pessoal, descobrimos que o ônibus veio de Belo Horizonte (MG), uma dessas excursões que fazem sempre que tem eventos relevantes pelo país. Não lembro quanto tempo durou o trajeto, mas lembro que cada vez que se aproximava, a emoção subia o nível. Fiquei perdido em meus pensamentos com várias coisas passando na cabeça, desde quando era adolescente e vi o videoclipe de “One” pela primeira vez e fiquei embasbacado querendo descobrir mais sobre aquela banda. Respirei fundo, olhei para os prédios que passavam continuamente sem prestar atenção e disse internamente: “estou indo para o show do Metallica, porra!” Olhei para o lado e sorri meio nervoso para disfarçar, caso alguém tivesse escutado meu devaneio interno.

Chegamos por volta das 14h30, os portões iriam abrir às 16h e só queríamos descobrir o fim da fila. No momento em que vimos o estádio com tantas filas espalhadas no seu entorno, a euforia tomou conta. O desespero também se manifestou, mas foi acalmado pela razão logo em seguida. Tínhamos que descobrir qual era a fila da pista, pois era tanta gente e tanta fila que estávamos nos sentindo num labirinto tentando achar a saída. Quando descobrimos ficamos assustados, simplesmente quase dando uma volta de 360 graus no estádio. Tudo bem, o importante era estar ali. Corremos pra lá, conhecemos pessoas, zoamos, bebemos, e tudo passou tão rápido que nem percebemos quando os portões foram abertos. Quando estávamos na fila aconteceu uma coisa bem chata. Todo show de grande porte movimenta o comércio e sempre os ambulantes estão por lá vendendo bebidas e artigos das bandas. Um pessoal da equipe do Metallica apareceu proibindo a venda de qualquer coisa da banda e começou recolher os produtos de quem estava próximo. Causou uma revolta geral, a gente se manifestou pedindo para deixá-los em paz, mas de nada adiantou. O capitalismo opressor sempre vai procurar uma forma de pisar e esmagar quem é vulnerável.

“So close no matter how far, Couldn’t be much more from the heart…”

Portões abertos e a fila andando devagar enquanto os batimentos cardíacos aumentavam de acordo com o espaço que nos separava da entrada. Quando passamos da primeira entrada, após a revista dos seguranças, e seguíamos para a entrada de validação dos ingressos, a multidão começou a delirar. Era um misto de emoção, êxtase, euforia, ansiedade e tudo que você imaginar. Alguns seguranças pediam calma, para ninguém correr, falavam para seguir trecho tal… era tanta informação misturada com entusiasmo que acabamos não percebendo que o Mauro tinha sido barrado na entrada. Quando olhamos, ele estava desesperado acenando e dizendo que pediram a carteira de estudante. Detalhe, compramos meia entrada, já que era mais barato, com a certeza de que não iriam pedir comprovante escolar nenhum. Enquanto o segurança pedia pra gente entrar porque estávamos atrapalhando a entrada, a gente dizia que estava esperando nosso amigo. Aquilo estava desesperador e não sabíamos o que fazer. Só lembro que algum de nós, não sei quem, falou para o Roberto jogar a carteira de estudante dele para o Mauro. Claro que deu certo, pois nem conferiram foto e nome. Ele finalmente conseguiu entrar, para nosso alívio, e depois seguimos em direção à pista que era nosso lugar. 

Era muita euforia, pessoas de todas as idades que mais pareciam crianças chegando numa excursão escolar avistando o espaço e todo prazer que será proporcionado à medida que aquele momento durar. Enquanto a gente procurava o melhor espaço na pista, não pude deixar de admirar o imenso palco no meio com dois telões laterais, como geralmente os palcos são montados. Não havia nada tão diferente dos outros, mas só o fato de ser do Metallica já bastava para ter destaque pra mim. Ao chegarmos no meio da pista, tinha um cara bêbado dormindo. Fiquei imaginando o quanto ele esperou por isso, o quanto comemorou que esqueceu de ficar consciente para aproveitar. Ninguém sabe o que aconteceu e não cabe a nós julgá-lo. Nós o carregamos e levamos para a sombra, longe da pista para não correr risco de acontecer algo pior.

O relógio marcava 17h, dentro de duas horas o Sepultura iria entrar, e a gente só queria achar um bom lugar. Eu estava inquieto, pois não queria ficar no meio da pista, queria chegar o mais próximo possível da grade. As pessoas que conhecemos na fila, falaram para esperar a banda de abertura começar e abrir caminho aos poucos. Era o tipo de ambiente que nem dava pra ficar tomando cerveja para se entreter e o tempo passar rápido, além de custar caro, não tinha a menor possibilidade de ir ao banheiro e retornar para o mesmo lugar. O jeito era aproveitar, jogar conversa fora, entrar na zoeira da arquibancada com a pista, observar tudo ao redor calculando mentalmente o trajeto para chegar até a grade.

Por volta das 19h começou a apresentação do Sepultura. Não houve muita empolgação por parte do público. Na época, a banda era formada por Derrick Green (vocal), Andreas Kisser (guitarra), Paulo Jr. (baixo) e Jean Dolabella (bateria), e estava divulgando a turnê do disco A-Lex, lançado em 2009. Não é um trabalho ruim, ainda mais sendo conceitual baseado no livro Laranja Mecânica de Anthony Burgess. Acredito que por conta da ansiedade do público e por não conhecerem bem o disco, nem eu conhecia direito também, ninguém se empolgou quando tocaram as cinco músicas dele. O estádio reagiu de outra forma quando tocaram os clássicos antigos como “Refuse/Resist”, “Dead Embryonic Cells”, “Troops of Doom”, “Territory” e outras. Nesse instante, Moacir e eu começamos nossa caminhada penosa para chegar até a grade. Mauro quis ficar nas rodinhas de pogo, e o Roberto preferiu ficar longe do meio, pois começou a sentir-se mal por conta do calor. Acabou indo para uma lateral mais ou menos próxima da grande onde estava o posto médico, e assistiu o show na diagonal. Antes de cada qual tomar seu rumo, combinamos de nos encontrar próximo ao posto médico, bem onde o Roberto estava e ninguém sabia. Quem chegasse primeiro esperava pelos outros.

O pessoal ficava mais quieto quando o Sepultura tocava algo do disco atual, e a gente aproveitava para perseguir nosso objetivo. Quando tocavam os clássicos, o pessoal começava a pular, formar rodinhas e ficava mais difícil. Mesmo assim, a gente ia se embrenhando lentamente. Antes de terminar o setlist com “Roots Bloody Roots”, o guitarrista Andreas Kisser caiu na besteira de falar que era uma honra tocar no estádio do melhor time do mundo. Tomou uma vaia em uníssono que deu até vergonha. Mas enfim, minutos antes de acabar a apresentação a gente já estava próximo da grade. Foi questão de minutos para chegar lá e começar o sufoco. Ou ficávamos com os braços abaixados ou levantados. Não dava nem para virar de lado. Estava muito quente. A sorte que sou um pouco alto e conseguia ficar na ponta dos pés e respirar ar puro de vez em quando. 

“Exit light. Enter night. Take my hand, We’re off to Never-never Land…”

Enquanto o palco era preparado para a grande atração da noite, o som seguia embalando o estádio, com AC/DC rolando, intercalado com os roadies afinando e ajustando os instrumentos. Toneladas de som ecoavam como marteladas no peito. Eu já tinha ideia de como seria o setlist, então ficava passando mentalmente a sequência, apenas pensando quais seriam as músicas que eles iriam alternar naquela noite. Esperamos cerca de 40 minutos ou mais, quando os holofotes apagaram, a escuridão tomou conta e os telões anunciaram com “The Ecstasy of Gold”, de Ennio Morricone, e cenas do filme “Três Homens em Conflito” (The Good, The Bad and The Ugly) que o espetáculo estava começando. Foi a deixa para o estádio todo gritar em uníssono: “METALLICA! METALLICA! METALLICA!” O calor e a adrenalina se misturaram e causaram sensações que não consigo encontrar palavras para descrever. 

Do nada, Lars Ulrich apareceu em cima da bateria anunciando os primeiros acordes de “Creeping Death”, e o impacto foi grande. Emoção, êxtase, adrenalina e sensação de “é bom botar pra fora sim, mas segura um pouco a onda porque o show acabou de começar”. Estava muito quente por conta da aglomeração (gatilho) e não tinha como comprar água, algumas pessoas começaram a passar mal e sinalizavam para os bombeiros que carregavam e levavam até o posto médico. Pensava o tempo todo “não cheguei até aqui pra passar mal”. Acordes ressoando, público pulando, cantando junto e gritando com vontade “DIE! DIE! DIE! MOTHERFUCKER, DIE!” Pode parecer assustador, mas não ao vivo.

“For Whom The Bell Tolls” veio logo em seguida e não deu nem tempo de se recompor. Lars começou a tocar em pé o bumbo, Rob Trujillo (baixo) subiu a rampa do palco para descer em seguida tocando a introdução. O palco era enorme, eles tinham vários microfones espalhados, e o James Hetfield (vocal/guitarra), sempre se revezava quando ia cantar. Ele veio mais para o lado direito do palco, bem próximo de onde estávamos. O Kirk Hammett (guitarra) sempre ficava perambulando por todos os cantos do palco. “The Four Horsemen” fez o estádio estremecer. Os circle pits (prática do heavy metal onde as pessoas correm em círculo e formam um tipo de rodinha se batendo uns contra os outros) abriram, muito empurrão de todos os lados e a gente tentando segurar a barra. Felizmente foi depois dessa música que o povo parou de empurrar, deu uma acalmada e resolveu curtir mais o espetáculo. Acredito que os níveis de adrenalina deram uma arrefecida.

A próxima foi a minha favorita de toda vida. “Harvester of Sorrow” faz parte do disco …And Justice For All. Foi o primeiro disco da banda que ouvi de cabo a rabo e alimentou por um bom tempo o sonho de ser baterista. Treinava bastante as linhas de bateria na minha Air Drums, principalmente essa. Sentia o pulsar das batidas da bateria do Lars no coração e na alma.

Logo após esse turbilhão de sensações, foi a hora de acender isqueiros e celulares para compor o cenário e receber de forma sublime os primeiros acordes de “Fade To Black”. Minha companheira ama essa canção, e dei um jeito de ligar pra ela para compartilhar um pouco aquele momento ao som da sua canção favorita. Certeza de que ela ouviu mais barulho do que qualquer outra coisa. Nunca vou esquecer o que ela me falou: “estou muito feliz por você, porque sei o quanto esse momento é especial!”

Em seguida tocaram uma sequência de três músicas do disco da turnê, Death Magnetic, lançado em 2008. “That Was Just Your Life” foi a primeira, em seguida “The End Of The Line”, que gostaria que fosse “Cyanide” no lugar. E para fechar a trinca mandaram “The Day That Never Comes”, que foi o primeiro single e videoclipe, dirigido por Thomas Vinterberg, bastante repercutido. A canção tem uma atmosfera similar a “One”, começa com linhas melódicas e fecha com peso, solos coesos e complexos. Destaque para a performance na hora do dueto de guitarras entre Kirk e James.

Como costuma fazer antes de “Sad But True”, James perguntou se a gente queria peso: “DO YOU WANT HEAVY?” e gritamos que sim “YEAH”, mesmo quase perdendo as forças com sede e muito calor. Mais uma vez ele perguntou: “DO YOU WANT HEAVY?”, e novamente gritamos: “YEAH”, até que ele emendou a já clássica frase: “METALLICA GIVES YOU HEAVY, BABY!” Em seguida veio peso, suor, lágrimas, emoção e o que mais você imaginar que pudessem sentir todas as pessoas presentes naquele cenário. Me senti dentro do videoclipe da música, com flashes, lampejos, peso e muita adrenalina. Entre um empurrão e outro tentava pegar copos de água que os bombeiros jogavam para quem estava na grade. Moacir atrás de mim suplicava, peguei duas e dividi uma com ele, e outra guardei no bolso para tomarmos depois, caso não conseguisse pegar mais nenhuma.

“Broken, Beat & Scarred” foi mais uma do novo disco. Gosto dela, mesmo querendo que tivesse sido “Cyanide” no lugar, que só foram tocar no show do dia seguinte. Quando acabou, as luzes se apagaram e bombas, tiros, gritos de soldados e diversos sons aterrorizantes de guerra anunciavam que “One” seria a próxima. Ver e ouvir ao vivo pela primeira vez  a música que me apresentou a banda é experimentar sensações inenarráveis. 

Sem tempo de recompor as emoções já emendaram “Master of Puppets”, e foi um dos pontos mais altos da noite. Essa sempre foi uma das minhas músicas favoritas para cantar no chuveiro, e nessa noite cantei junto com a banda ao vivo: “Master of puppets i’m pulling your strings/Twisting your mind and smashing your dreams.” Na hora do solo calmo, acompanhado em uníssono pelo público, Moacir apoiou-se nas minhas costas e deixou a emoção fluir. Não havia como não se entregar de corpo, alma e coração ao que estávamos vivendo naquele instante. 

Após uma pausa curta, enquanto o público respirava e buscava forças, a introdução de Blackened ecoava num sample. Mais uma da época em que eu sonhava ser baterista e tocar igual ao Lars. Na hora do refrão, toda vez que a palavra “FIRE” era pronunciada, jorrava fogo de uns canhões na frente do palco que esquentava a nossa cara. Após toda ebulição veio a calmaria, momento banquinho e violão com “Nothing Else Matters” e o James dizendo que nada mais importava. Nessa hora deu vontade de pegar uma cerveja, olhei para os lados e desisti do anseio momentâneo. A música terminou com uma performance solo do James mostrando a tatuagem do M de Metallica, os dois lados da palheta e um “cotoco”, para em seguida detonar os acordes de “Enter Sandman”. Mais um daqueles momentos que fazem parte do ponto alto do show. O estádio cantou do começo ao fim e ninguém ficou parado. “Exit light, enter night/Take my hand, we’re off to never never land.”

Na volta para o bis, nessa turnê eles sempre tocavam um cover de alguma banda que os influenciou durante a carreira. A escolhida da noite foi “Stone Cold Crazy” do Queen. Calor, sede, euforia e sensação de show acabando tomavam conta de todos meus sentidos. “Motorbreath” veio em seguida, eu já não sentia minhas pernas e buscava forças do além para continuar. Nessa hora os Circle Pits intensificaram-se e a gente só ansiava por água. A que tinha guardado no bolso já tinha ido embora. Com muito custo conseguimos mais uns copos e deu para aguentar até a próxima e última música do setlist.

Antes de tocar “Seek and Destroy”, James pediu para acender os refletores dizendo que passamos a noite toda olhando para eles, os feiosos do Metallica, e agora era a vez deles olharem pra gente. E começaram os acordes, um bombardeio de sonoridade, peso e melodia, performances e muitos fogos de artifício para finalizar. Depois que terminou a apresentação, como de costume, a banda agradeceu, cada membro falou algumas palavras no microfone, jogaram palhetas, baquetas e pegaram lembranças que o público jogou para o palco. Tudo o que vivemos naquela noite ficará registrado na história de cada uma das 68 mil pessoas que estiveram presentes no show do Metallica, dia 30 de janeiro de 2010, no estádio do Morumbi, em São Paulo.

“I’m your dream. I’m your eyes. I’m your pain. You know it’s sad, but true…”

Quando chegamos no ponto de encontro, Roberto já estava esperando por nós. Perguntamos de onde ele assistiu e nos falou que começou a passar mal por conta do calor, resolveu se afastar e ficar mais próximo do posto médico. Moacir e eu mal conseguíamos raciocinar, imagina falar. Estávamos com muita sede, suados da cabeça aos pés, pernas tremendo, costas doloridas, porém com uma satisfação inalcançável. Todos reunidos, fomos atrás de água e isotônico para repor um pouco a quantidade de líquido que perdemos, foi quando Moacir deu falta da carteira. Ele não falou nada que tinha trazido, olhamos para ele com cara de julgamento, pois combinamos para ninguém trazer carteira. Ele disse rindo: “não quero nem saber, estou realizado e feliz pra caralho”. Rimos bastante. E rimos um pouco mais depois quando descobrimos que fizeram compras no cartão de crédito antes dele cancelar. Ainda bem que não foi um valor alto.

Na saída do estádio encontramos um cara que estava chegando para ficar na fila para o show do dia seguinte. Paramos para conversar, ele disse que queria ser o primeiro da fila para ficar na grade. Ou seja, ele iria passar a noite, virar o dia aguardando o horário de abertura dos portões para pegar um bom lugar. Achamos até um pouco exagerado, não como forma de julgamento, mas entendemos perfeitamente. O exagero era da nossa parte que nunca tinha presenciado algo assim. Mas, pensando bem, nós também exageramos quando fizemos nossos sacrifícios pessoais e viajamos de outra cidade para ver ao vivo nossa banda favorita. Depois de ter visto o show, de ter vivido aquele momento e sentido toda emoção aflorar pelos poros, conseguimos compreender e sentir o que aquele cara que encontramos no aeroporto de Guarulhos tentou nos dizer “sem palavras”.

O dia seguinte foi tomado por ressaca pós show. Uma sensação feliz por ter vivido aquilo e angustiante por não ter mais no dia seguinte. Cogitamos a possibilidade de ir no outro show, porém não tinha mais ingressos disponíveis e nem grana. Desistimos e ficamos na pousada curando nossa ressaca assistindo TV e conversando. Eu fiquei inquieto e frustrado por não ter recursos para ver a banda novamente. Roberto acabou indo para Campinas (SP) visitar o irmão e ficamos só nós três. No fim da tarde fomos dar uma volta, mas nada aplacava aquela sensação de felicidade angustiante. Na manhã de segunda-feira, dia ensolarado, tudo estava bem melhor, a angústia tinha ido embora e deixado apenas a satisfação. Nosso voo seria à noite, por volta das 20h, e fomos perambular novamente pela cidade, fazer compras, beber e passar o tempo. Voltamos com a bagagem cheia de histórias para contar.

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