A partir dos anos 1980, o rock ganhou protagonismo, foi amadurecendo e abrindo estradas para que novas possibilidades fossem exploradas entre tantos riffs e acordes distorcidos. Em 1981, Ozzy Osbourne lançou seu segundo disco Diary of Madman, Rush apareceu com seu excelente oitavo trabalho Moving Pictures, Rolling Stones com seu clássico Tattoo You, considerado por muita gente como o último bom trabalho da banda, e o AC/DC lançou For Those About to Rock, sucessor do bem-sucedido álbum Back in Black. Em meio a tanto protagonismo, o Iron Maiden encontrou espaço e se destacou com seu segundo trabalho, Killers, lançado em fevereiro de 1981.
Desde 1968, gigantes como Led Zeppelin e Black Sabbath dominavam a cena musical na Inglaterra. Durante uma década, o rock tocava em todos os cantos e atraia multidões. Antes do início da década de 1980, o mesmo rock que imperava anos antes começou a perder espaço para uma nova cena musical: o punk rock. O movimento foi imediatamente consumido pelo proletariado inglês que protestava por mudanças políticas e sociais. Dentro desse cenário também surgiu um novo conceito abordado pela mídia à época como The New Wave of British Heavy Metal (NWOBHM), traduzido como a nova onda do heavy metal britânico. Desse movimento surgiu o Iron Maiden e outras bandas, como Judas Priest, Def Leppard, Venom, Saxon, Motörhead, Diamond Head, Samson e etc.
O heavy metal era embrionário, mas aos poucos germinava dentro de vários estilos mundo afora. A banda Exodus, formada em 1979, considerada uma das primeiras e mais importantes bandas do gênero trash metal, abriu as portas para Metallica, Slayer e Anthrax, que surgiram em 1981. Na minha opinião, esses quatro formam o verdadeiro The Big Four, já que Megadeth surgiu apenas em 1983. Ainda em 1981, Venom lançou seu primeiro álbum chamado Welcome to Hell, que viria a ser o precursor do black metal, que também foi o ano de surgimento do Mercyful Fate. A banda Mötley Crüe lançou seu primeiro álbum, Too Fast For Love, que ficou iconizado como uma das pioneiras do hard rock na década.
Antes de começar a falar sobre o segundo disco da Donzela de Ferro, é preciso contextualizar o cenário histórico, político, social e cultural. Em 1979, a Europa vivia um período de recessão, elevadas taxas de inflação, altos índices de desemprego e uma crise petrolífera praticamente inescapável. Margaret Thatcher, líder do partido conservador inglês, assumiu o poder na Grã-Bretanha nesse período de intensa turbulência social. Curiosamente apelidada de “Dama de Ferro” pelos soviéticos, Thatcher, que foi uma das precursoras do neoliberalismo, promoveu privatizações, instituiu uma política anticomunista, realizou reformas nos sindicatos, cujos líderes sofreram fortes perseguições, desencadeando uma série de greves e manifestações duramente reprimidas pelas forças do Estado. A Grã-Bretanha chafurdou numa grande recessão econômica e a popularidade de Thatcher despencou. Ela conseguiu sua reeleição, em 1983, através da cortina de fumaça que criou vencendo a Guerra das Malvinas. A relação do Iron Maiden com a “Dama de Ferro” será contada mais pra frente.
No fim de março de 1981, o presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, que estava a apenas dois meses no cargo, sofreu um atentado a tiros durante encontro com sindicalistas num hotel em Washington. Reagan, que mantinha relações estreitas com Thatcher, foi atingido no pulmão e sobreviveu. Além dele, algumas pessoas importantes que estavam próximas ficaram feridas. Era o segundo atentado contra um presidente dos EUA e o mundo ficou em choque, consequentemente a bolsa de valores despencou. O autor do atentado, John Hinckley, foi preso logo após os disparos. Segundo consta, Hinckley tinha problemas mentais e era obcecado pela atriz Jodie Foster, ao ponto de escrever cartas para ela. Certa vez, chegou a mencionar uma cena do filme Taxi Driver, estrelada por ela e Robert de Niro: “Se você não me ama, vou matar o presidente”. O resto é história como a conhecemos.
Em maio, o carismático papa João Paulo II, um dos líderes mais influentes do século 20, foi vítima de um atentado quando se preparava para discursar em meio a uma multidão na Praça São Pedo, no Vaticano. O estudante turco Mehmet Ali Agca, então com 23 anos, invadiu o local e acertou dois tiros no papa, que ficou gravemente ferido. João Paulo II foi socorrido imediatamente e levado para o hospital. Embora muitos não acreditassem que o santo padre iria sobreviver, provou-se o contrário quando o mesmo faleceu somente em 2005 devido à sua saúde débil e ao agravamento da doença de Parkinson. Ali Agca foi preso no mesmo instante e condenado à prisão perpétua. O estudante disse que pertencia à máfia turca, um grupo ultranacionalista e de extrema direita conhecido como Lobos Cinzentos. Mesmo sendo condenado como autor individual do crime, sobrou até para a URSS, como sempre ocorria durante a Guerra Fria. Havia especulações sobre um suposto complô búlgaro-russo contra o papa. Agca afirmou que praticou o atentado por encomenda do serviço secreto búlgaro (KDS), porém não houve comprovação da tal conexão com o serviço secreto soviético (KGB).
Nos últimos anos da Ditadura Militar no Brasil, na noite de 30 de abril de 1981, durante um evento que comemorava o Dia do Trabalhador, membros do exército explodiram duas bombas no Centro de Convenções do Riocentro, na capital do Rio de Janeiro, com a intenção de culpar a esquerda pelos atos violentos e tentar brecar a reabertura política do país. O evento daquela noite contaria com a presença de alguns artistas, principalmente aqueles que marcaram forte oposição contra o regime militar, que foram exilados e retornaram ao país após a Lei de Anistia de 1979. Milicos reacionários e insatisfeitos com a possibilidade de o país voltar a ter eleições diretas, resolveram agir para frear a instauração da democracia no Brasil, que vinha sendo projeto político.
Segundo testemunhas da Comissão Nacional da Verdade, os dispositivos deveriam ter sido colocados embaixo do palco principal do local, que, durante o evento, abrigava mais de 20 mil pessoas que assistiam aos shows em homenagem aos trabalhadores brasileiros.
O plano frustrado dos militares foi uma verdadeira catástrofe. Uma das bombas explodiu em um carro no estacionamento do Riocentro, matando um sargento e ferindo gravemente outro oficial. Havia outra bomba em um veículo que não explodiu, e uma terceira bomba explodiu na central de energia do local do evento, mas ninguém ficou ferido. O atentado do Riocentro, como ficou conhecido, foi uma das últimas tentativas militares para reprimir o “lento, gradual e seguro” processo de abertura política iniciado no final da década de 1970. Apesar do plano de reabertura, o autoritarismo da Ditadura Militar não desapareceu por completo, deixando seus rastros nos aparelhos de repressão do Estado. Atualmente, encharcado de militares ocupando cargos oficiais no governo, não seria absurdo dizer que o regime não acabou completamente.
1981 e suas memórias indeléveis, desta vez aportando em Óbidos, município do estado do Pará, não por acaso minha cidade natal. O ano marca a história da cidade com um dos seus acontecimentos mais tristes: o maior naufrágio da Amazônia. No dia 19 de setembro, por volta das 3h da madrugada, o barco Sobral Santos II, que fazia linha Santarém-Manaus, naufragou ao atracar no porto de Óbidos, matando mais de 340 passageiros. Na noite anterior, às 19h, o barco saiu de Santarém com 530 passageiros e 200 toneladas de carga, além da capacidade permitida. Segundo relatos da época, havia infiltrações nos porões e algumas pessoas falaram com o comandante do barco alertando para o perigo, o mesmo respondeu que “Meu negócio é carga. Quanto mais carga melhor. Dá mais dinheiro”.
Na atracação, a corda de náilon arrebentou e alguém gritou que o barco estava adernando. Muita gente acordou em pânico e correu para a amurada do barco que apressou o adernamento, indo o “Sobral Santos II” a pique em menos de 10 minutos. Com o adernamento muita carga caiu por cima dos passageiros e muitos passageiros jogaram-se na água, enquanto outros procuravam refúgio dentro dos camarotes, sem saber que lá ficariam presas sem possibilidade de salvamento.
Na época, eu tinha 6 anos e lembro de alguns lampejos do ocorrido. Lembro da minha mãe chamar meu irmão mais velho e pedir para ele ir para o porto saber o que tinha acontecido. Também lembro da interrupção da programação matinal e a entrada da famosa música do Plantão da Globo para noticiar o fato. Meu pai trabalhava no mercado Municipal, que ficava próximo do porto, e mais tarde contou pra gente no jantar. Durante um bom tempo, vivi à sombra dessa tragédia, escutando histórias e convivendo diariamente com o episódio. Os corpos daqueles que não conseguiram identificar foram enterrados no único cemitério da cidade em valas coletivas e identificados por números. Sempre que passava por lá, uma angústia brotava e enlutava meus pensamentos. Era uma sensação desagradável, eu ficava tentando imaginar o sofrimento daquelas pessoas no momento em que o barco naufragou.
Morar em uma cidade do interior é conviver com seus mitos e lendas, os famosos “causos”. Como muitas pessoas desapareceram e não emergiram, diziam que no fundo do rio tinha um “bicho” que devorava os cadáveres, mas descobriu-se mais tarde que os mergulhadores perfuravam os corpos para que os mesmos não boiassem mais. Por conta desse mistério, Jeremy Wade, do programa Monstros do Rio, refez a última viagem do barco Sobral Santos II para tentar descobrir o que aconteceu por trás do naufrágio no Rio Amazonas. É o primeiro episódio da sexta temporada, intitulado “Apocalipse no Amazonas”.
No dia 1º de agosto de 1981, foi criado nos Estados Unidos, o canal de televisão MTV (Music Television Video). Com as seguintes palavras “senhoras e senhores, rock and roll” ditas pelo vice-presidente da Warner-Amex Satellite Entertainment, John Lack, a emissora entrava no ar para mudar a história da música. “O melhor da TV combinado com o melhor do rádio”. Essa frase foi proferida nos minutos iniciais de transmissão pelo primeiro VJ a entrar no ar, Mark Goodman. Ironicamente o primeiro videoclipe foi“Video Killed The Radio Star”, do The Buggles, que podemos traduzir para algo como “O Clipe Matou a Estrela do Rádio”. Uma ironia que traduzia a proposta do canal: transformar a indústria musical através da relação música e imagem. Fez história, tornando-se a mais influente mídia de música do mundo, principalmente na descoberta de novos artistas. Somente depois, com o avanço da internet, perdeu espaço e tornou-se o que conhecemos hoje. Com o sucesso, ganhou versões em diversos países, incluindo a MTV Brasil, e passou a fazer parte da cultura popular, especialmente entre os jovens. Quem, como eu, acompanhou sua evolução a partir dos anos 90, compreende sua importância.
No futebol, 1981 foi um ano inesquecível para os flamenguistas e para todos aqueles que gostam e respeitam o futebol, independente do clube que torcem. As últimas semanas do ano foram mágicas para o Clube de Regatas do Flamengo e sua imensa Nação Rubro-Negra, como são chamados os torcedores. Em 35 dias, o time conquistou três títulos históricos: Campeonato Carioca, Copa Libertadores da América e Mundial Interclubes, com uma vitória triunfante por 3×0 em cima do Liverpool, no dia 13 de dezembro de 1981, no Japão. Foi exatamente nesse período que comecei a me interessar por futebol. Como o Flamengo era a bola da vez, e tinha Zico e tantos outros craques no elenco, sempre passava na TV. As tardes de domingo eram embaladas pelo mágico futebol do time rubro-nego e não havia como não se encantar. Tenho poucas lembranças desse tempo, mas o pouco que recordo são imagens de um time campeão e de um Maracanã em vermelho e preto tomado de emoções. Período em que os estádios eram acessíveis para a massa de torcedores, antes do processo de elitização.
Para muitos, ser campeão do mundo é o sonho de uma vida, o ápice, o maior acontecimento dentro da carreira de um esportista. Poucos podem descrever este sentimento. Desde o dia 13 de dezembro de 1981, a maior torcida de um clube de futebol do Brasil e uma das maiores do planeta, sabe o que é isso.
Quando a conversa é futebol & rock and roll, o Iron Maiden encaixa como uma luva. O baixista Steve Harris é quem tem uma ligação mais forte com o futebol. Ele é torcedor fanático do West Ham, time tradicional de Londres, e chegou a treinar nas categorias de base do clube. Harris abandonou o sonho de ser jogador profissional porque não se considerava dedicado o suficiente para levar a carreira adiante. Com exceção do vocalista Bruce Dickinson, que já declarou não ser muito fã do esporte, a paixão dos músicos pelo futebol não fica restrito somente às arquibancadas, eles participam de jogos amistosos sempre que podem, principalmente no Brasil. Outra curiosidade que envolve o Iron Maiden e o futebol é seu mascote Eddie, presente em todas as capas dos álbuns da banda. A torcida organizada Força Jovem, do time Vasco da Gama, tem como símbolo o desenho do Eddie e estampa em suas bandeiras e camisas. Quando era mais novo ficava muito puto quando via a bandeira flamulando com a cara do Eddie na torcida vascaína, pois como torço para o Flamengo e sou fã da banda, me recusava a aceitar a situação. Cisma de adolescente arrogante.
A banda Iron Maiden foi formada no final de 1975, mesmo ano em que nasci, iniciando sua jornada pelos pubs ingleses e passando por diversas mudanças de formação, sempre liderada pelo comandante e baixista Steve Harris. O nome vem de de um instrumento de tortura medieval chamado Iron Maiden (Donzela de Ferro, ao pé da letra), que era uma caixa de ferro, com o formato semelhante ao corpo de uma donzela. O instrumento apareceu no filme estadunidense The Man in the Iron Mask (O Homem da Máscara de Ferro), de 1939, dirigido por James Whale e baseado na última parte do romance O Visconde de Bragelonne de Alexandre Dumas, pai, que se inspirou na lenda francesa do Homem da Máscara de Ferro.
Atualmente a banda é formada por Steve Harris (baixo), Dave Murray (guitarra), Bruce Dickinson (vocal), Adrian Smith (guitarra), Janick Gers (guitarra) e Nicko McBrain (bateria). Com mais de 45 anos de estrada, 16 álbuns de estúdio e 11 ao vivo, o sexteto britânico é venerado dentro do universo do heavy metal e já tem seu nome eternizado na história da música. A história da banda com todos os reveses é fácil encontrar em qualquer pesquisa na internet, vamos ao que interessa.
Meu primeiro contato com a banda foi no fim da década de 1980, através do disco Somewhere In Time, lançado em 1986, em especial a música “Wasted Years”. Logo de cara não me cativou, e achei a proposta futurista e muito melódica. Foi aproximadamente na época que descobri Metallica e minha cabeça estava totalmente voltada para riffs mais pesados e distorcidos. Poucos anos depois, fiquei amigo de uma pessoa que acabara de voltar da capital e veio estudar no mesmo colégio que eu. Meu conhecimento de músicas e bandas era extremamente limitado e ele tinha um imenso acervo musical a ser explorado. Através dele conheci a história do Iron Maiden, alguns discos e me senti um idiota por rejeitar anteriormente a banda sem prestar muita atenção. Na verdade, isso já aconteceu outras vezes. Foram poucas, mas é um defeito que precisa ser corrigido.
Esse meu amigo tinha a fita cassete original do Killers, segundo disco do Iron Maiden, e quando ouvi aquela sonoridade pesada, rápida e melódica com pitadas de punk misturadas aos vocais de Paul Di´Anno fiquei estupefato. Prontamente emprestei, fiz uma cópia e fiquei ouvindo incessantemente. Minhas canções favoritas do disco eram, e ainda são, “Wrathchild”, “Murders in the Rue Morgue”, a instrumental “Genghis Khan”, “Killers” e a mística “Prodigal Son”. Mais pra frente vou falar sobre cada uma e qual sua importância dentro do meu mundo subversivo. Hoje, fazendo uma reflexão mais aprofundada sobre como fui aprisionado pela donzela de ferro, acredito que foi preciso chegar às raízes da banda para poder submergir no seu terreno vasto e fértil de excelentes trabalhos.
Killers foi lançado em fevereiro de 1981, contém 10 excelentes faixas, na versão original, sendo duas instrumentais. Posteriormente foi lançado uma versão remasterizada contendo o single “Twilight Zone”, que é a mesma que tenho em CD. Esse foi o último trabalho com o vocalista Paul Di’Anno, e a estreia do guitarrista Adrian Smith no lugar de Dennis Stratton. Steve Harris no baixo, Dave Murray na guitarra e Clive Burr na bateria completavam a formação. A produção ficou a cargo de Martin Birch, que iniciou sua longa parceria com a banda, e tinha no currículo trabalhos de bandas como Deep Purple, Whitesnake e Black Sabbath. O produtor foi responsável pelos trabalhos seguintes até 1992, quando produziu Fear of the Dark, que coincidiu com a saída do vocalista Bruce Dickinson.
A maioria das músicas foi criada ao longo dos primeiros anos, com apenas algumas regravações e novas adições. De todas as faixas, menos “Murders in the Rue Morgue” e “Prodigal Son” foram escritas anos antes do disco de estreia, embora nenhuma tivesse sido gravada em estúdio até as sessões de Killers, com exceção de “Wrathchild”, que havia sido gravada em 1979, na coletânea Metal for Muthas, numa versão bem rústica. Esse é o único disco que contém duas músicas instrumentais, “Genghis Khan” e “The Ides of March”, que considero mais como uma longa introdução que prepara o ouvinte para o que vem a seguir. Com quase dois minutos, com ritmo de marcha prenunciando aquela que seria a característica principal da banda, as guitarras gêmeas marcantes de Dave Murray e Adrian Smith. Além da faixa-título, “Wrathchild”, “Murders in the Rue Morgue” e “Purgatory” se transformaram em verdadeiros clássicos.
As capas dos discos do Iron Maiden sempre foram objetos de muita discussão e, claro, admiração. Eddie the Head ou Edward the Head é, com certeza, o mais icônico mascote da história do heavy metal e está presente na carreira da banda em todos os momentos, desde os primórdios. O mascote foi criado pelo ilustrador e designer britânico, Derek Riggs. Porém, segundo o próprio, a ideia surgiu bem antes da parceria com a banda. Riggs tinha trabalhado numa ilustração batizada “Electric Matthew Says Hello” (“Electric Matthew diz oi“, em tradução livre), que foi feita com a intenção de ser usada para algum grupo punk no final dos anos 70. Depois dos ajustes que a banda pediu, para inserir cabelo na figura, o resultado foi o que vimos na capa de Iron Maiden, álbum de estreia, lançado em 1980. A parceria durou até o início dos anos 1990 e, a partir do álbum Fear of the Dark, lançado em 1992, o Iron Maiden optou trabalhar com outros artistas, mas tendo Eddie como protagonista.
Quando o empresário do grupo, Rod Smallwood, viu o desenho de Riggs ele encontrou a personificação de Eddie. A única mudança que pediu para o desenhista foi colocar mais cabelo no monstro, o que casaria melhor com o estilo da banda, e que ele tivesse o mesmo nome da famosa cabeça que a banda usava nos shows chamada Eddie.
Após ser apresentado como um mascote inofensivo no primeiro disco, em Killers o Eddie foi personificado na representação perfeita do tema do disco: um sádico assassino empunhando uma machadinha ensanguentada, sua vítima implorando por misericórdia, e tendo como pano de fundo uma sombria Londres. Segundo relatos, as mãos da vítima segurando a camisa do Eddie na capa do disco seriam da toda poderosa Dama de Ferro, Margaret Thatcher. A ilustração de Riggs ambienta o bairro de Manor Park, região de East End, onde os integrantes do Maiden perambulavam no início da carreira. É possível ver ao fundo o Ruskin Arms, ao lado de uma sex shop, pub onde a banda costumava tocar, e alguns moradores da vizinhança em diferentes ações, sendo que apenas um está bisbilhotando o assassinato. Também é possível ver três gatos pretos e alguns corvos no topo de um prédio. Seria referência a Edgar Allan Poe?
Antes dos streamings de música, pegar um disco para ouvir era sempre um enorme prazer. No entanto, o deleite descomunal enquanto o disco rolava, era pegar o encarte e observar cada detalhe, cada símbolo, imagem e cada traço, tudo isso acompanhando a letra das músicas. As capas dos discos do Iron Maiden sempre foram carregadas de simbolismo, mistério e muita sublimidade. Quando anunciavam o lançamento de um álbum sempre ficava a expectativa de como seria o Eddie na capa e qual seria a temática da obra.
E por falar em obra, a banda tem um vasto repertório que menciona e retrata acontecimentos históricos, e também diversas músicas inspiradas na literatura. Para termos uma dimensão, Lauro Meller, doutor em Letras pela PUC de Minas Gerais e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), produziu artigos técnicos chamados Temas Históricos em Canções do Iron Maiden, partes 1 e 2 , onde traça uma linha cronológica da Pré-História à Segunda Guerra Mundial com a análise minuciosa de sete canções do grupo. A música é carregada de transcendência, e é uma forma de preservar o patrimônio histórico e cultural através dos tempos. Isso o Iron Maiden sabe fazer com maestria.
O Maiden presta uma grande contribuição ao despertar a curiosidade do seu público, principalmente o mais jovem: as canções se tornam portas de entrada para outros conhecimentos.
Embora Killers tenha uma faixa com o mesmo título do álbum, as referências ao tema vão além e estão presentes em muitas canções. Claro, temas históricos e literários também não poderiam ficar de fora. Caso contrário, não seria um disco da Donzela de Ferro. Mas, antes de falar sobre algumas faixas, quero comentar rapidamente a respeito da sonoridade. As guitarras de Dave Murray e Adrian Smith soam harmoniosamente perfeitas, principalmente quando as guitarras gêmeas entram em ação. Clive Burr com levadas e viradas precisas na bateria se encaixam sem fazer muito esforço. Os vocais agressivos no estilo punk metal de Paul Di’Anno são inconfundíveis, tornando este disco um registro imortal de suas características. O baixo do mestre Steve Harris dispensa comentários. Perfeição do início ao fim “cavalgando” através de linhas melódicas que sempre se destacam nas músicas, fugindo do tradicional acompanhamento da bateria.
Sobre algumas faixas do disco…
Após o prenúncio triunfal de “The Ides of March”, “Wratchchild” é anunciada com um riff de baixo poderoso e cheio de fúria. O resto é a música como a conhecemos: baixo marcante, muitas viradas de bateria, guitarras vibrantes ao fundo e vocal agressivo. Em seguida vem “Murders in the Rue Morgue”. Baseada no conto homônimo de Edgar Allan Poe, mais conhecido pelas narrativas de terror, lançou as bases para a ficção científica e a história policial. O conto é baseado na investigação da morte de duas mulheres, que foram assassinadas na fictícia rua Morgue. O crime vira um mistério para a polícia, mas o detetive Dupin consegue encontrar uma luz no fim do túnel através de uma investigação minuciosa. Lembram daquele amigo que falei anteriormente? Pois é, ele me contou a história da música, me apresentou Edgar Allan Poe e H.P. Lovecraft, que também tem história com a banda. Foi o ponto de partida para começar a prestar muita atenção em cada disco, música e letra do Iron Maiden.
A instrumental “Genghis Khan” não tem letra, mas tem história. Segundo Steve Harris, a música tem a intenção de demonstrar o exército do controverso imperador mongol Genghis Khan (1162-1227) durante uma batalha. Ele foi o maior conquistador de terras da história, responsável por uma brutal e sanguinária expansão conquistando a maior parte da Ásia. O imperador e seu exército até hoje são cultuados na Mongólia. Lembro na época que quando queria saber mais informações sobre algum acontecimento ou figura histórica sempre dava um pulo na biblioteca municipal, e corri pra lá para pesquisar sobre Genghis Khan, figura histórica e tema de música do Iron Maiden. Hoje em poucos cliques temos a informação na palma da mão, ainda bem!
“Prodigal Son” é a minha preferida do disco, embora muitos pensem que ela é aquela faixa fora de contexto. Não importa, e olha que nunca fui de gostar do que os outros detestam para fugir do lugar-comum. Meu gosto é peculiar e tem explicação. Mesmo gostando de música pesada, sempre tive um fraco por baladas. Por mais que ela não tenha peso e agressividade, é importante para o disco. Violões, guitarras calmas, voz suave e lirismo poético suplicando por perdão. A canção não fala sobre a Parábola do Filho Pródigo (Lucas 15:11) citada na Bíblia, e sim sobre a narrativa de alguém arrependido e pedindo ajuda para uma mulher chamada Lamia que, conforme a mitologia Greco-Romana, foi transformada em demônio. Demorei algum tempo para descobrir que a música realmente não fazia referência à passagem bíblica. Devido à minha educação cristã, pensava que se tratava de uma metáfora e adorava minha interpretação.
Killers é um disco que representa muito para mim. Surgiu em uma época de descobertas e tem grande participação na minha formação musical. Indo mais além, certeza que foi a escancarada de portas que o Iron Maiden precisava para alçar voos mais altos e velejar ao redor do mundo. Foi o último trabalho de Paul Di’Anno com a banda, que abriu espaço para a entrada do extraordinário Bruce Dickinson. O resto é história.