Quem cresceu a partir dos anos 80, como eu, transitou por todas as fases da evolução musical. Começando no disco de vinil e na fita cassete, passando pelo CD, depois o mp3 e agora parando no streaming. A partir daqui vai para onde? Pelo visto, até o momento, o que presenciamos é um retorno ao início. Tem algum tempo que o disco de vinil, o famoso bolachão, está em evidência em muitas prateleiras.
Quando conheci Milena, minha namorada, em 2009, a gente deu match logo de cara por compartilhar a paixão por música na mesma intensidade e por muitas outras coisas também, óbvio. Praticamente as mesmas bandas, a mesma vontade inquieta de viajar para shows, o sonho latente de começar uma coleção de vinis e, claro, ter onde e como ouvir. A cada ano que passava o sonho crescia e se tornava mais palpável.
Quando começamos a garimpar discos de vinil, no final de 2013, bem antes do boom que assolou o mercado, não tínhamos ideia aonde chegaríamos. Mas a gente sabia bem o que queria. Queríamos ter bons discos, abrir uma cerveja e viver a experiência de ouvir, independente de dispor de um bom toca discos e caixas de som decentes.
Eu tinha dois vinis que restaram de todas as andanças e mudanças por vários cantos dessa cidade. Milena herdou de seus pais um acervo valioso e abarrotado de histórias. Clássicos e mais clássicos da música popular brasileira. Com os discos em mão, só faltava onde botar para tocar. Começamos procurar pela internet locais onde poderíamos encontrar um toca disco que coubesse dentro da nossa realidade orçamentária. Pesquisando aqui e acolá conhecemos algumas pessoas que vendiam discos e equipamentos. Começamos a andar pelos sebos e feiras de antiguidades, principalmente quando a gente viajava para o eixo Rio-São Paulo.
Até que um belo dia conhecemos uma pessoa em uma barraca na feira da avenida Eduardo Ribeiro, aqui em Manaus. Aquela que acontece todo domingo e quem mora aqui já deve ter ido pelo menos uma vez. Além da barraca na feira, ele tinha uma loja de antiguidades e falou que tinha um toca discos Pioneer automático para vender. Quando fomos lá, ficamos maravilhados com a oportunidade de começar a ouvir nossos vinis. O preço não foi tão em conta assim, ainda barganhei desconto e saímos felizes da vida acreditando ter feito o melhor negócio. Quando envolve desejo e sentimento, o dinheiro vira mero coadjuvante.
Sem entender muito de som, compramos uma caixa amplificada e para nós aquilo era o nirvana. O som do vinil saia metálico parecendo um mp3 extraído de CD na pior qualidade. Não havia vida e nem emoção na sonoridade. Na nossa cabeça, montar um sistema de som robusto era muito caro e estava fora de alcance no momento. A gente não ligava muito, só queria botar o vinil para tocar, abrir uma cerveja e deixar o som penetrar cada camada do corpo, mesmo soando ruim. O toca discos era excelente, o problema estava na saída do som e, se tivéssemos um amplificador com caixas acústicas, certeza que a experiência iria soar absurdamente melhor.
Com equipamento instalado, começamos a trilhar o caminho das pedras atrás de discos de rock, nosso gênero musical favorito. Mal sabíamos que era o gênero mais cobiçado e, consequentemente, mais caro. Pesquisando no Mercado Livre conhecemos Clodoaldo, um senhor acessível que gentilmente abriu as portas de sua casa e nos possibilitou comprar muitos discos maravilhosos. Ele tinha um acervo de encher os olhos, com preços bem em conta e abaixo do que se praticava no mercado. Ele trabalhou na extinta rádio Tupi e ficou com boa parte do acervo. Sempre que a gente juntava uma grana corria para lá e vinha com pilhas e pilhas de vinis debaixo do braço. Foi com ele que começamos a adquirir alguns discos clássicos e estimados. Ele nos contou que a maioria dos discos de rock e metal foram os primeiros a sair.
Compramos muita coisa com preços excelentes, principalmente no sebo Império, localizado na avenida Luiz Antony, no bairro de Aparecida. Bem antes de crescer do dono engordar o olho e começar a cobrar valores absurdos por discos nem tão valiosos assim. Compramos muitos discos do Supertramp, que era o mais próximo de rock que poderíamos chegar naquele momento. Devagar fomos diversificando nosso acervo que estava cheio de MPB, pop gringo dos anos 70, 80 e 90, e muito rock nacional. Não tínhamos nada de rock mais pesado. Era o que nos faltava, mas naquele momento não era prioridade, pois os discos custavam bem mais que outros estilos.
Durante todo esse percurso conhecemos muitas pessoas que vendiam discos, umas com preços dentro da nossa realidade e outras que queriam arrancar um órgão em discos que não valiam tanto. Numa dessas visitas conhecemos Jorge, cujo sobrenome não recordo. Uma pessoa simples e muito simpático que tinha um acervo conservado e diversificado. Foi com ele que comprei alguns discos de rock, como Guns N’ Roses, Faith No More e outros. A maneira inusitada como ele embalava os discos me chamou muito a atenção. Inclusive perguntei como fazia, mas desisti da ideia logo de cara, pois muito trabalhoso. Ele tinha um rolo de plástico, cortava e colava em uma máquina própria, daquelas que geralmente tem em padaria. Era um trabalho artesanal extraordinário.
Conversamos bastante com ele. Ele contou muitas histórias sobre discos e shows, e como começou a colecionar. Falamos sobre nosso sistema de som, o que deixou a gente bem envergonhado quando ele nos apresentou o seu. Não só mostrou como fez questão de colocar um disco para ouvirmos e sentirmos o som. Ele pegou Back To Black do AC/DC e colocou para tocar. Aos poucos foi aumentando o volume, comentando sobre cada detalhe enquanto o som penetrava no ambiente e em nossa existência. Foi um momento mágico, memorável e indescritível.
A partir dessa época, por influência de alguns amigos, começamos a organizar sessões de vinis na casa da Milena. Noites agradáveis na companhia de amigos queridos, muita cerveja e conversa. O problema do vinil é que não dá pra ficar pulando faixa como CD, mp3 ou streming, o sistema é complicado. E sou bem chato com isso, gosto de colocar lado A e Lado B, é questão de honestidade ouvir um disco do início ao fim. Fazia isso no mp3 e faço até no streaming. Eu sempre costumava brincar que ali não era o Bar do Braga, que infelizmente fechou as portas, onde só rolava um lado do vinil. A maioria dos amigos presentes eram frequentadores do bar.
Com o passar do tempo, nosso toca discos Pioneer começou a apresentar problema, e chegou um tempo que não tocou mais. Ficamos desolados sem saber o que fazer. A saída foi procurar novamente em sites e redes sociais alguém que vendesse um que coubesse no nosso padrão orçamentário. Conhecemos uma pessoa sensacional, um pouco excêntrico, porém honesta e responsável. Alexandre nos ajudou muito, tanto com aparelhagem quanto com discos. Inclusive ganhei até presente de aniversário dele. Obrigado, Alexandre!
Ele nos vendeu um Sony que funcionava sem amplificador. Não era automático como nosso anterior, mas estava em ótimo estado. Vendemos nossa caixa amplificada Frahm e compramos outra amplificada da H Sound, bem mais potente e com som de qualidade. Não duramos muito tempo com esse novo toca disco. Ele tinha problema no braço, não tinha contrapeso e, alguns discos, principalmente os de 180g, rodavam mal. Isso foi chateando a gente de uma forma que não consigo adjetivar. Conversamos e decidimos investir em uma aparelhagem de qualidade, com toca discos, amplificador e caixas acústicas.
Não demorou muito para acharmos a solução. Na ociosidade de um dia qualquer quando estava navegando nas redes sociais, vi o anúncio de um toca discos Sansui no Instagram da Toca do Vinil, do Alexandre. Entrei em contato, fomos ver a aparelhagem e fechamos o negócio. Detalhe: faltava o encaixe do braço e a agulha, por isso o preço foi bem em conta. Além da questão da agulha, a gente não tinha o amplificador e nem as caixas acústicas.
Compramos o conjunto da agulha em uma loja especializada aqui em Manaus mesmo. Alexandre conseguiu um amplificador com um contato, que deu mais trabalho do que satisfação. As caixas acústicas conseguimos em uma barganha no centro da cidade. Andando por lá, vimos o par de caixas em uma loja que conserta e vende eletrônicos. Modelo JBL F120, alto-falantes originais e em ótimo estado. Compramos na mesma hora.
Tudo estava se encaixando da melhor maneira, acreditamos que dessa vez poderíamos ouvir e sentir o som do vinil pelos poros e cada camada do corpo. Nossa ilusão não durou muito. O amplificador começou a dar dor de cabeça. Relatamos o problema para a pessoa que nos vendeu, ela pediu para consertar e acabou piorando ainda mais. Quando ele esquentava parava de funcionar. Muitas vezes nem saia o som. Era uma dor de cabeça desnecessária. Não dava para continuar daquele jeito!
Recorremos novamente ao querido Alexandre, da Toca do vinil, que nos vendeu um amplificador completo e excelente. Substituímos o par enorme de caixas JBL por um menor, que era do meu som, e tem uma qualidade fantástica. Hoje temos equipamento suficiente para extrair o melhor do som de um vinil. E olha que nem exploramos tanto, por conta do espaço e da dimensão do barulho. Quando começamos nem passava pela nossa cabeça chegar nesse nível. Com o passar do tempo a exigência cresceu e começamos a querer sempre o melhor, quando possível, claro.
Dia desses eu estava olhando o Instagram, e me deparei com um perfil específico de vendas de discos de vinil sugestivamente chamado Vinil Vendas. Já tinha visto antes, mas como não queria entrar em tentação deixei passar. Nesse dia vi alguns discos do meu interesse com preços convidativos. Mostrei para Milena, ela achou interessante também, e não falou mais nada. Fiquei com aqueles discos martelando na cabeça. No dia seguinte, o perfil repostou os discos em promoção. Não hesitei, entrei em contato e pedi para separar alguns para mim. Isso foi numa sexta, combinei de passar na segunda-feira para pegar os vinis.
Quando a pessoa me passou a localização, tive a sensação de que já conhecia o lugar. Aquilo ficou me intrigando, mas deixei quieto. No dia combinado saí para buscar. Quanto mais me aproximava, mais pressentia que já estivera ali. Bingo! Era exatamente a casa do Jorge, de quem falei lá no início. Uma jovem chamada Esther trouxe os vinis. Falei para ela que já estivera ali, que comprei alguns discos de um senhor. Ela me disse que era seu pai e que agora ela era a responsável pelo acervo. Me falou que ele havia falecido no fim de 2019. Conversamos um pouco, falei sobre os discos que comprei e também sobre os detalhes e cuidados que seu pai tinha ao embalar os vinis enquanto observava cuidadosamente a embalagem dos discos que havia comprado.
Atualmente temos um acervo considerável de vinis e queremos aumentar. Ouvimos tudo que compramos, não queremos colecionar apenas para empilhar prateleira. Faz algum tempo que paramos de comprar da forma como comprávamos, por conta do valor alto cobrado no mercado e, porque temos alguns compromissos prioritários também.
Costumamos dizer que ouvir disco de vinil é uma experiência única. Não é apenas colocar para tocar e deixar rolar mas também permitir que o som penetre no ambiente a na alma. Nem se trata da questão de que o som do vinil é bem melhor. Não gosto de entrar nesse embate a respeito da superioridade do som do vinil em relação as outras mídias. É questão de amor pela música, da paixão ao ouvir as músicas de determinado artista, pelo prazer de explorar a capa do disco e por tudo o que aquilo representa.