Falar de Brothers in Arms, é falar da música “Money For Nothing” e, certamente, da MTV (Music Television). Não tem como fugir do roteiro. A MTV gringa surgiu em agosto de 1981, com sede em Nova York. Aportou no Brasil nove anos depois, em outubro de 1990, misturando muita música, humor e conteúdos voltados para o público jovem. É inegável a importância da emissora na história da televisão brasileira. Além do sucesso que fez entre os jovens, foi responsável pela popularização de bandas e cantores internacionais e, claro, deu espaço para muitos artistas brasileiros. Projetou também muitos apresentadores, os famosos VJs, que logo ganharam espaço no mercado, e muitos ainda estão por aí até hoje. O canal encerrou as atividades em 2013, quando passou por uma reformulação. Se bem que, com a popularização da internet e o sucesso do YouTube, a MTV perdeu muito espaço e não conseguiu acompanhar o ritmo das novidades que surgiam freneticamente.
1985 foi o ano em que muitas bandas lançaram discos pela primeira vez. Megadeth lançou Killing Is My Business… And Business Is Good!, A-ha estreou com Hunting High and Low, e os californianos do Faith No More com We Care a Lot. E em terras brazucas não poderia ser diferente, bandas de referência para o rock nacional também lançaram seus primeiros discos. Ira! com Mudança de Comportamento e Legião Urbana com seu disco homônimo.
De 11 a 20 de janeiro, rolou a primeira edição do Rock In Rio, realizada na Cidade do Rock, na Barra da Tijuca. O evento recebeu mais de 1 milhão de pessoas, e contou com bandas famosas como Queen, Iron Maiden, AC/DC, Scorpions e Barão Vermelho, além de cantores como George Benson, James Taylor e Rod Stewart. Dire Straits foi cotado para o festival, mas por conta do envolvimento com a produção do Brothers in Arms, preferiu não fazer um show fora de época e atrasar seu lançamento.
Em janeiro, Michael Jackson e Lionel Richie, com a fundação USA for Africa, convidaram 45 artistas norte-americanos para gravar a música “We Are The World”, que alcançou o primeiro lugar em centenas de países e ajudou a fundação a arrecadar cerca de 100 milhões de dólares. É incrível como consigo lembrar nitidamente quando essa música estourou e passou uma reportagem no Fantástico. Tocava incessantemente nas rádios e o videoclipe também tinha forte presença nas programações de TV. Essa foi a canção que encerrou o concerto do Live Aid nos EUA.
Em 13 de julho, o Live Aid reuniu alguns dos maiores nomes da música mundial da época, com o objetivo de arrecadar fundos para auxiliar o combate à fome no continente africano. O evento foi organizado por Bob Geldof e Midge Ure e realizado nos estádios de Wembley, em Londres, e JFK, na Filadélfia, e, além de cerca de 80 mil pessoas em cada, foi assistido por mais de um bilhão e meio de pessoas em todo planeta. Para se ter uma ideia dos gigantes que se apresentaram nos shows simultâneos na Inglaterra e nos Estados Unidos: Queen, na performance histórica recriada no filme Bohemian Rhapsody, U2, Madonna, Led Zeppelin, The Who, Rolling Stones, Paul McCartney, Elton John, David Bowie, Bob Dylan, Eric Clapton, Crosby, Stills, Nash & Young, Tina Turner, Elvis Costello, Bryan Ferry, Judas Priest, Black Sabbath, Santana e Dire Straits, claro.
Você sabe por que comemoramos o Dia Mundial do Rock no dia 13 de julho? Sabia que foi por causa do Live Aid? Curioso que o nome é “Dia Mundial”, mas a data é celebrada somente aqui no país. O protagonista da situação foi Phil Collins que falou que o evento deveria ser considerado “o dia global do rock”, por se tratar de um momento histórico para a música. Não demorou para as rádios de rock brasileiras começarem a celebrar a data e a ação comercial pegou.
E por falar em Brasil, 1985 foi um ano histórico e jamais será esquecido, principalmente por quem conviveu e sofre até hoje as consequências das atrocidades da Ditadura Militar, um regime covarde que oficialmente acabou no dia 15 de março, mas seus tentáculos perduram até hoje sempre golpeando de maneira desonesta e violenta. Durou 21 anos e foi responsável por práticas cruéis de tortura, assassinatos e desaparecimentos políticos. Curioso observar os tempos obscuros que estamos vivendo, como ainda tem gente que pede a volta do regime militar sem a menor noção da realidade, sem o menor entendimento da violência e barbárie que se possa viver numa ditadura.
Tancredo Neves foi eleito o primeiro presidente civil do país em 20 anos pelo Colégio Eleitoral, ainda em eleição indireta quando derrotou o candidato da situação do regime militar, Paulo Maluf. Como nem tudo são flores, na véspera da posse, em 14 de março de 1985, o presidente eleito Tancredo Neves foi internado em estado grave, no Hospital Base de Brasília. Passou por várias cirurgias, mas acabou falecendo no dia 21 de abril de 1985, dando lugar para o vice José Sarney. Foi um tiro à queima-roupa na cara da democracia. Apesar da pouca idade e sem entender muito o contexto de tanta comoção, consigo lembrar alguns momentos do triste episódio.
Lançado em maio de 1985, Brothers in Arms é o quinto álbum de estúdio do Dire Straits, aposentada banda de rock inglesa que era liderada por Mark Knopfler (guitarra/voz) e contava também com John Illsley (baixo), Alan Clark (teclados), Terry Williams (bateria) e Jack Sonni (guitarra). Um disco essencial para entender a biografia da banda, da música e do rock mundial. Foi um marco na indústria fonográfica, principalmente no processo de gravação, mixagem e masterização totalmente digitais. Marcou o início da era do CD (Compact Disc), mudou a forma como a gente consumia música e traçou o caminho para novas plataformas. Só para entender a dimensão, foi o primeiro CD da história a alcançar a marca de 1 milhão de cópias vendidas.
O disco foi gravado no AIR Studios, em Montserrat, uma pequena ilha, situada no mar do Caribe, nas Antilhas. O estúdio que pertencia ao produtor dos Beatles, George Martin, atraiu músicos famosos, que vieram gravar no tranquilo ambiente tropical do lugar. Nomes como Paul McCartney, Rolling Stones, Eric Clapton, Dire Straits, Elton John, Stevie Wonder, The Police, Ultravox, Lou Reed e tantos outros, que produziram discos antológicos com canções que ainda hoje perduram na memória.
Entre 1989 e 1997, a ilha sofreu com catástrofes naturais, o estúdio foi fechado e o turismo, que era a principal fonte de renda, praticamente desapareceu. Milhares de habitantes perderam tudo, e centenas de pessoas morreram. Em setembro de 1997, grandes nomes do rock se reuniram em Londres, no Royal Albert Hall, para um mega concerto em prol da ilha, que ficou conhecido como Music for Montserrat. Foi organizado pelo próprio George Martin e toda a renda foi revertida para a reconstrução da pequena ilha. Marcaram presença no evento muitos nomes que usufruíram da ilha enquanto gravavam seus discos no AIR Studios, como Paul McCartney, Eric Clapton, Phil Collins, Carl Perkins, Elton John, Mark Knopfler, Mick Hucknall, Sting, entre outros.
Não recordo o ano que vi pela primeira vez o videoclipe de “Money For Nothing”, mas sei que não foi na MTV. Foi num desses extintos programas de videoclipes que passavam na TV aberta. Na época, desfrutar do privilégio da MTV não era para muitos. Lembro que passei a acompanhar mais de perto a programação da emissora quando ia para casa de um amigo da escola. Como ele era o único que tinha acesso, a gente sempre corria pra casa dele quando tinha algum lançamento ou evento especial. A MTV mudou nossa forma de consumir música.
Com um videoclipe inovador e um dos primeiros a apresentar computação gráfica, “Money For Nothing” foi eleito o melhor de 1986 no MTV Video Music Awards. Foi dirigido por Steve Barron, o mesmo que dirigiu “Take On Me” do A-Ha. Com um visual hipnótico e uma história por trás, que eram apresentados durante a música que penetrava na cabeça, não havia como não prestar atenção.
Quando passei a entender essa canção, principalmente por conta do videoclipe, pensei que era um produto feito sob medida para a emissora. Tempos depois descobri que Mark Knopfler não era muito entusiasta de vídeos e de toda exposição que eles causavam. A ideia partiu da própria emissora que viu no verso “I want my MTV” cantado por Sting, uma grande publicidade para a marca. O verso cantando por Sting foi uma paródia de sua música, “Don’t Stand so Close to me”, que inclusive foi creditado como coautor da canção.
Segundo Knopfler, a ideia da música surgiu em uma loja de eletrodomésticos. Enquanto ele e o baixista John Illsley assistiam a programação da MTV que passava na maioria dos televisores da loja, um funcionário da loja reclamava com o colega, dizendo que deveria ter aprendido a tocar algum instrumento musical, pois desse modo, não teria necessidade de se sacrificar carregando caixas pra cima e pra baixo. E ainda disse que os músicos eram felizes, já que ganhavam a vida de forma fácil.
Olha o viadinho de brinco e maquiagem / Pois é, cara, é o cabelo dele mesmo./ Esse viadinho tem seu próprio jatinho / Essa viadinho ficou milionário. (em inglês, do texto original: See the little faggot with the earring and the makeup? / Yeah buddy, that’s his own hair / That little faggot got his own jet airplane / That little faggot, he’s a millionaire.)
Esses versos foram responsáveis por causar polêmica em torno da canção, e com razão, mesmo quando Mark Knopfler passou a explicar em entrevistas que “o personagem de ‘Money for Nothing’ é um verdadeiro ignorante, cabeça dura, alguém que vê tudo em termos financeiros”. Portanto, o que o personagem fala na música não reflete as ideias dos autores. É complicado pensar dessa forma, pois é até compreensível aceitar que um artista possa fazer uma canção se colocando no lugar de outra pessoa, muito fazem isso. Mas, se essa pessoa for um sujeito desrespeitoso, homofóbico, que acha que qualquer músico cabeludo, de brinco e maquiagem é “viadinho”?
Não demorou muito para as rádios começarem a tocar uma versão editada em que não se ouvia a palavra “faggot“. Em algumas a palavra foi trocada por “mother“, em outras simplesmente a estrofe era cortada. A própria banda tomou iniciativa e em algumas coletâneas como Sultans of Swing: the Very Best of Dire Straits (de 1998) optaram por incluir uma versão editada. Começaram a fazer isso em shows também, usando simplesmente a palavra “mother”, forma abreviada de motherfucker, que podemos traduzir como “sacana”.
Não podemos ignorar o contexto cultural e social em que o disco foi gravado. Ditaduras, crises econômicas e guerra fria, entre outros fatos, moldavam comportamentos e atitudes que hoje não são mais toleráveis na sociedade. Na verdade, nunca deveriam ser. Nascemos, crescemos e vivemos numa sociedade onde os padrões patriarcais estão enraizados, e teimam em ditar normas, pautando comportamentos que tentam minar qualquer questionamento, agindo na maioria das vezes com covardia e violência. Por mais que hoje o avanço seja grande nas lutas sociais contra o machismo, homofobia, racismo e classismo, ainda há muito a ser feito e conquistado.
Como definir este disco semi-conceitual, com um lado B que fala de homens e guerras, e um dos registros de rock mais influenciado pelo country com pitadas de blues, jazz, pop e rockabilly? Na minha humilde definição, classifico como um disco fundamental para a história do rock, apesar das críticas acerca das canções impressionistas, com grande riqueza melódica e harmônica, mais suaves e menos profundas do que os trabalhos anteriores. O disco figura na lista dos 200 álbuns definitivos no Rock and Roll Hall of Fame.
Com certo apelo comercial, Brothers in Arms é apaixonante do começo ao fim. Praticamente todas as nove músicas alcançaram as paradas de sucesso de todo o mundo. A música “Why Worry?” ficou muito conhecida no Brasil em 1996, por fazer parte da trilha sonora da novela global Roda de Fogo. A banda não insistiu muito nas canções “The Man’s Two Strong” e “One World”, mas não há como não prestar atenção, especialmente nesta última com destaque para os graves do baixo numa pegada blues mais pop e urbana. Esse é o tipo de álbum para se ouvir do começo ao fim sem pular nenhuma faixa, apenas se deixar levar pela embriaguez sonora de cada acorde.
Não lembro onde ouvi “Why Worry?” pela primeira vez, mas sei que fiquei hipnotizado quando ouvi. Eu sempre parava para escutar, fosse na rádio, na novela ou em qualquer lugar. Acordes suaves e uma voz repleta de sabedoria que falava “para não se preocupar, pois deveria haver risos após a dor, deveria haver luz do sol após a chuva e que essas coisas sempre foram as mesmas…” Parece bobo, mas seus quase oito minutos e meio vão além da letra e voz. Na parte final, mais da metade da música é embalada por um instrumental que transcende uma paz momentânea.
Como eu estava vivendo uma fase de descoberta do rock, quando ouvia algo novo sempre procurava por faixas com riffs mais pesados. Mas a baladinha “Your Latest Trick” me conquistou de um jeito que não consigo explicar. Na verdade, sempre tive queda por baladas, principalmente de bandas de rock. A memorável introdução de saxofone executada por Michael Becker é apaixonante, e seus solos desfilam pela música inteira criando todo clima romântico e envolvente. Na rádio sempre tocava a versão que já começava na introdução, na época não tinha como saber que existia uma versão com alguns acordes antes da introdução entrar em cena. Uma descoberta que fiz quando finalmente ouvi a versão em CD.
O disco é encerrado com a canção-título, cuja letra é em homenagem aos soldados que morreram durante a Guerra das Malvinas, onde tropas inglesas e argentinas se enfrentaram em 1982 nas Ilhas Malvinas (também chamadas de Falkland). Ao todo, foram registrados mais 600 mortos no lado argentino e cerca de 250 no lado Britânico. Vale ressaltar que o país vivia um período ditatorial que terminou junto com a derrota dos hermanos. A guerra foi declarada pela Argentina, pois estava reclamando um direito seu. Margareth Thatcher, com sua mão de ferro, não hesitou em colocar tropas na linha de frente de batalha para exercer seu colonialismo autoritário. A vitória no confronto serviu também como uma influente propaganda eleitoral, pois Thatcher venceu as eleições de 1983 no Reino Unido.
Assim como os trabalhos anteriores, a banda bebeu na fonte do country e Brothers in Arms não poderia soar diferente. Como sempre, destaque para a guitarra de Mark Knopfler, que teve que dividir as atenções com os teclados, que representavam muito a música na década de 1980. Por falar na guitarra de Knopfler, muito se fala que ele compensa seu canto não tão virtuoso com excelentes solos que tira do instrumento. Outra curiosidade é o fato dele tocar o instrumento sem palheta, cujo estilo inspirou o personagem Eugene Martone, interpretado por Ralph Macchio no filme A Encruzilhada (Crossroads, 1986).
Seguindo a ideia em não mostrar os integrantes na capa dos discos, Brothers in Arms tem uma capa bem simples, que se tornou icônica, composta por uma borda larga em azul-celeste com uma foto no centro. A foto, tirada pela fotógrafa Deborah Feingold, ostenta uma guitarra resonator dobro, também conhecida como violão de aço modelo National Style “O”, flutuando no céu. O instrumento se tornou um dos símbolos da banda, usado posteriormente na capa de algumas coletâneas.
Mesmo após seu fim, a banda continua sendo lembrada por suas melodias, produções e sucessos que ficaram marcados na história da música. E Brothers in Arms segue como um produto dos anos 80 que permanece atemporal.